FRAGILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS
Se
as humanidades têm algum futuro como crítica cultural, e a crítica cultural tem
uma tarefa no presente momento, é, sem dúvida, no sentido de nos fazer retornar
ao humano aonde não esperamos encontrá-lo, em sua fragilidade e nos limites de
sua capacidade de fazer sentido.
Judith
BUTLER, 2011
Paulo César
Carbonari
Vivemos um momento histórico no
qual já não sabemos se a esperança na humanidade ainda faz sentido, se ainda
carrega alguma verdade. Compreender esta dificuldade é repor direitos humanos
como questão crucial que se pergunta: quem são os humanos? Quem são estes/as de
quem dizemos serem sujeitos de direitos? Onde estão?
Ainda esperamos encontrar o
humano|: em sua fragilidade. Sim, ali está o humano, na fragilidade, nos
limites da fragilidade. É ali que todas as nossas mais profundas crenças se
chocam com a singular realidade. E, deste modo, renovam-se como sentido. Pensar
assim é pensar que a dignidade não é dada e nem é mérito de privilegiados.
Pensar assim é reconhecer que a humanidade está em cada singularidade humana e
nas condições históricas e concretas e nas dinâmicas e relações nas quais esta
se realiza. Viver assim é encontrar humanidade naqueles para quem boa parte dos/as
humanos/as já não encontra humanidade. No máximo da fragilidade.
A vida é frágil, toda a vida. Permanece
“por um fio”. Então porque há vidas que se entendem superiores, melhores, mais
fortes e, em razão disso, subjugam outras vidas, frangilizam-nas ainda mais do
que já são, as oprimem, as violentam, as vitimizam? Sim, há muitos que
alimentam “sua vida” de ódio, de morte, de destruição, de desumanização. Estas
vidas não sabem reconhecer a fragilidade que há em sua própria vida e na vida
dos/as outros/as vivos/as, sejam humanos ou não-humanos. Para estes a resposta à
pergunta por “quem são os humanos” é sempre e somente os melhores, os
superiores; aos/às demais, uma caricatura de humanos, “quase-humanos”,
bárbaros, “animais”, “bandidos”, “ninguém”!
O princípio da afirmação do
humano pela ex-clusão [fechar para
fora] dos/as não humanos/as, sejam eles/as seres vivos de outras espécies ou
mesmo humanos/as aos/às quais não se reconhece humanidade, é o que alimenta a
violação de direitos humanos e o ódio que torna insuportável a presença de
alguns destes e algumas destas que, apesar da exclusão, da vitimização, se
organizam e lutam para dizer: “existimos”, somos humanos, temos direitos!
Fechar a porta da humanidade aos/às humanos/as tidos/as por inaceitáveis de
“merecerem” a condição humana é prática recorrente na história da humanidade e
só produziu, sempre, uma situação: a não-existência, a morte ou, quando muito,
a “inclusão” subordinada, oprimida, violentada [para quem precisa de exemplos,
lembre-se da escravidão negra, do extermínio indígena, da opressão dos/as
trabalhadores/as, do holocausto judeu, da xenofobia, a lista é grande!].
A afirmação do “existimos”, somos
humanos/as, temos direitos, é o ponto de partida pelo qual as vítimas de
violação de direitos humanos se levantam para cobrar a superação do princípio
da exclusão e para exigir reconhecimento e acesso e usufruto dos bens
necessários para que possam viver e bem-viver. Estes/as é que primeiro levantam
a necessidade de direitos humanos e, ao fazerem isso, revelam que o que querem
não são direitos para si mesmos/as, que satisfaçam interesses privados; o que
revelam é que os direitos que reivindicam são humanos, ou seja, comuns a
todos/as que se querem humanos, para todos/as.
Assim nascem os direitos humanos:
como afirmação de que os/as humanos/as de quem se fala que têm direitos são
todos/as. Daí porque, falar de direitos humanos é, acima de tudo, não pactuar
com quem aceita a possibilidade de algum/a humano/a não caber entre os/as
humanos/as. É dizer todos/as de modo a que ali se possa fazer conter a
singularidade de cada um/a e a diversidade dos muitos/as numa pluriversidade que reconfigura o que
conhecemos por universalidade [que, por ser uni, nem sempre soube acolher o
pluri].
Enfim, se o humano está na
fragilidade, então os direitos humanos são uma forma de dizer que esta
fragilidade precisa ser promovida, protegida, cuidada. Falar de direitos
humanos, mais uma vez neste Dia Mundial dos Direitos Humanos, é, portanto,
mesmo contra todos/as que insistem em dizer o contrário, não aceitar que
existam vítimas, agir para potencializar a luta para superar a situação dos/as
que estão na condição de vítima e, mais do que tudo, buscar um outro mundo no
qual seja possível viver a fragilidade, em fragilidade, sem que isso signifique
outra coisa do que viver, bem-viver.
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Doutor em filosofia, professor no IFIBE,
militante de direitos humanos (CDHPF/MNDH), presidente do Conselho Estadual de
Direitos Humanos, RS.
Em 10/12/2015